Veto ao marco temporal representa ataque aos indígenas e à floresta
18 de dezembro 2023
Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, pretende pedir novamente a inconstitucionalidade do marco temporal - Foto Lula Marques/Agência Brasil
Após a derrubada do veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelo Congresso Nacional na última quinta-feira (14/12), agora o marco temporal passa a ser uma Lei. O veto foi derrubado após intensa articulação da bancada ruralista. A tese do marco temporal determina que devem ser demarcados aqueles territórios considerando a ocupação indígena em 1988, na data da promulgação da Constituição. Indígenas, ONGs e ativistas não defendem essa tese. Eles apontam a inconstitucionalidade do dispositivo e argumentam que o direito às terras é anterior à criação do Estado brasileiro e, portanto, não pode estar restrito a um corte temporal e, sim, deve ser determinado por meio de estudos antropológicos. Para o secretário de Meio Ambiente da CUT, Daniel Gaio, o marco temporal representa um ataque explícito ao direito dos povos indígenas sob seus territórios. “Num momento de crise climática e aquecimento global, os povos indígenas são nossos aliados na busca de soluções”, afirma Daniel, criticando ainda a postura contrária da Câmara dos Deputados e do Senado à preservação das florestas brasileiras. A questão já havia sido debatida na Suprema Corte. Em setembro, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, por 9 votos a 21, contra o marco temporal. Como reação, o Congresso aprovou o projeto que criou oficialmente o marco com força de lei. O projeto agora está nas mãos do presidente Lula para promulgação. Se isso não acontecer, o presidente do Senado Rodrigo Pacheco poderá fazer. No entanto, a tendência é que o caso volte para a Justiça. A ministra dos Povos Originários, Sônia Guajajara, disse em suas redes sociais que “é um absurdo que enquanto mundo já reconhece os povos indígenas e seus territórios, como uma das últimas alternativas para conter a crise climática, o Congresso Nacional aqui age totalmente na contramão daquilo que precisa ser feito para conter essa crise global”. Sônia disse ainda que o Ministério irá acionar a AGU (Advocacia Geral da União) para entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF reafirmando a posição de inconstitucionalidade. “Nós seguimos firmes acreditando na Justiça brasileira, e com a força dos nossos ancestrais, não abriremos mão de nossos direitos”, disse a ministra. O jornal Folha de S. Paulo fez uma lista mostrando como fica o marco temporal a partir de agora. Veja: VETOS DERRUBADOS, QUE PASSAM A SER LEI- Determinação de que as terras indígenas devem se restringir à área ocupada pelos povos na promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
- Construção de estradas, bases militares e redes de comunicação nos territórios sem consulta prévia às comunidades.
- Proibição à ampliação de terras indígenas já demarcadas.
- Permissão à atuação da Polícia Federal e das Forças Armadas nos territórios sem autorização das comunidades ou a Funai.
- Permissão para que ocupantes não indígenas possam ficar na terra até a conclusão do processo de demarcação, sem limite de uso.
- Permissão aos não indígenas ao direito a indenização por qualquer benfeitoria realizada no local, finalizada a demarcação.
- Participação dos municípios, estados e entidades da sociedade civil no processo de demarcação, que hoje é da alçada da Funai.
- Obrigatoriedade da intimação dos interessados e a permissão da indicação de peritos auxiliares desde o processo de demarcação.
- Obrigatoriedade do contraditório e defesa aos interessados desde o processo de demarcação.
- Permissão para a atividade econômica em terras indígenas pela comunidade ou por terceiros após autorização dela.
- Determinação de que o procedimento demarcatório seja público e seus atos amplamente divulgados e disponibilizados para consulta em meio eletrônico.
- Autorização para a União entrar em imóvel de propriedade particular para levantamento de dados e informações, mediante prévia comunicação escrita ao proprietário.
- Determinação de que as áreas indígenas reservadas são de propriedade da União e a sua gestão fica a cargo da comunidade indígena, sob a supervisão da Funai.
- Determinação de que cabe às comunidades indígenas escolher a forma de uso e ocupação de suas terras.
- Determinação de que o usufruto das terras indígenas não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional.
- Determinação de que o ingresso de não indígenas em áreas indígenas poderá ser feito somente com autorização da comunidade indígena, por agentes públicos a serviço, estados e municípios.
- Permissão para cultivar alimentos transgênicos em terras indígenas.
- Flexibilização do contato com povos isolados.
- Permissão à retomada das terras pela União, ou sua destinação à reforma agrária, no caso de alteração dos traços culturais da comunidade indígena ou de outros fatores ocasionados pelo decurso do tempo, sem especificar quais são.