Lei de Igualdade Salarial corre risco de ser esvaziada por manobra de empresários da indústria
19 de março 2024
A judicialização,
por parte do grupo DPSP (dono das Drogarias Pacheco e São Paulo), CNI (Confederação
Nacional da Indústria) e CNC (Comércio de Bens, Serviços e Turismo), contra a
divulgação do primeiro Relatório de Transparência Salarial
e de Critérios Remuneratórios, que os Ministérios do Trabalho e
da Mulher planejam divulgar neste mês, esvazia a Lei de Igualdade Salarial
entre Gêneros (Lei 14.611/2023).
“A implementação da
norma, que contém medidas que já existem em diversos países, de transparência
salarial e fiscalização contra a diferença salarial entre homens e mulheres,
corre o risco de ter seu efeito significativamente enfraquecido porque essas
ações atacam justamente o relatório, que é a principal inovação que a Lei n°
14.611 trouxe”, explica a assessora jurídica da Contraf-CUT (Confederação
Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro), Phamela Godoy.
No início do mês de
março, o grupo DPSP conseguiu uma liminar na Justiça, que desobriga as redes
Drogarias Pacheco e São Paulo a fornecerem ao governo informações trabalhistas
e salariais das funcionárias e funcionários para o Portal Emprego Brasil, e
também o envio de dados para relatório de transparência salarial elaborado pelo
Ministério de Trabalho e Emprego, bem como a divulgação desses dados em sites e
redes sociais das próprias empresas, sob a justificativa de que a publicidade
dos dados iria contra a Lei de Proteção de Dados.
A liminar, deferida
por inteiro pela juíza Federal Frana Elizabeth Mendes, da 26ª vara Federal do
Rio de Janeiro, também determina que, em caso de identificada desigualdade
salarial de gênero, a União se abstenha em exigir a participação dos Sindicatos
profissionais na elaboração do plano de mitigação, outra medida da Lei n°
14.611.
Já na última
terça-feira (12), a CNI e a CNC acionaram o STF (Supremo Tribunal Federal) para
derrubar trechos da Lei de Igualdade Salarial. A ação gira em torno de três
pontos que as entidades acusam de “inconstitucionais”.
“O que essas
empresas e setores que entraram com ação querem esconder? Acaso praticam
desigualdade salarial entre homens e mulheres, discriminam negros e negras e
querem continuar praticando isso, sem que a sociedade saiba? Do contrário, caso
fosse um problema de divergência pontual com a implementação da Lei deveriam
ter a decência de procurar o governo para negociar, em vez de acionarem a
Justiça”, pondera a presidenta da Contraf-CUT e vice-presidente da CUT (Central
Única dos Trabalhadores), Juvandia Moreira.
O que dizem CNI e CNC
O primeiro
questionamento das organizações é sobre a implementação de um plano de ação,
com metas e prazos, caso identificada a desigualdade remuneratória, sob o
argumento de que existem diferenças salariais “lícitas e razoáveis”, baseadas
em “critérios objetivos de aferição de maior perfeição técnica”, como tempo de
serviço e mérito.
“Importante aqui
mencionar que esta ferramenta do plano de ação é muito utilizada na legislação
nacional, como por exemplo na Lei de recuperação judicial”, destaca Phamela
Godoy. “O argumento utilizado de que o plano inviabilizaria as ‘diferenças
razoáveis ou lícitas’ é, na prática, a mensagem de que ‘sabemos que estamos
praticando salários diferentes, mas entendemos que isto é correto'”, completa.
O segundo e o terceiro
questionamentos, da CNI e CNC, são quanto aos critérios que determinam eventual
discriminação e contra a publicação do relatório de transparência salarial,
repetindo o argumento do grupo DPSP, de que a publicação exporia dados pessoas
e estratégicos, além de colocar em risco a imagem das empresas.
“No ponto da
discriminação, a ação busca minimizar a desigualdade como algo simples,
‘situação de desequiparação salarial objetiva’. Já o último ponto, defendido
pelas entidades, mantém o processo da desigualdade que o país precisa
enfrentar, ao pedir para ocultar de todos os trabalhadores a diferença salarial
entre os cargos de gestão dos demais trabalhadores”, pontua a assessora
jurídica da Contraf-CUT.
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homens no mercado de trabalho
Países têm regras semelhantes
De iniciativa do
governo Federal, a Lei de Igualdade Salarial entre Gêneros foi aprovada pelo
Congresso em junho do ano passado. A norma não é novidade para um país. Segundo
o Banco Mundial, 35 nações, incluindo Reino Unido, Austrália, França, Peru e
Islândia, possuem medidas de transparência salarial e fiscalização para superar
essa questão.
“Eu ainda estou
impactada com o fato de as empresas terem entrado no STF. Isso significa um
atraso. Significa um desrespeito à luta das mulheres em muitos anos. É uma prova
de que só lutando muito para não demorarmos 131 anos para termos igualdade”,
declarou a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, ao se referir ao Relatório
Global de Desigualdades de Gênero, do Fórum Econômico Mundial, publicado em
2023. O material estima que, se os países mantiverem o ritmo do progresso
registrado nas últimas décadas, serão necessários 131 anos para o fim da
disparidade salarial entre homens e mulheres.
“Tanto a
Constituição Federal quanto a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) estabelecem
o princípio de igualdade de tratamento e remuneração. Mas, na prática, esses
princípios não são seguidos, por isso a Lei n° 14.611 foi criada e aceita bem
por toda a população, porque estabelece mecanismos para que esses princípios
tenham efeitos práticos na realidade do mercado de trabalho brasileiro”,
conclui a secretária da Mulher da Contraf-CUT, Fernanda Lopes.
Fonte:
Contraf-CUT