Lei Áurea: por que o movimento negro não comemora o 13 de maio
13 de maio 2023
A data oficial da abolição da escravidão no Brasil, o 13 de maio, é uma data que, para a população negra, não é um dia de comemoração. Ao contrário, é uma data de reflexão sobre uma medida tomada, à época, levando em consideração interesses capitalistas e que, na prática, não trouxe liberdade aos negros e negras e sim, perpetuou o racismo estrutural existente na sociedade.
Lideranças dos movimentos sindical e negro, explicam que ao assinar a Lei Áurea, em 1888, a Princesa Izabel não editou nenhuma medida para garantir uma sobrevivência digna para os negros e negras sequestrados no continente africano, escravizados durante anos.
“Eles foram ‘libertados’, mas jogados nas ruas com somente com a roupa do corpo e nada mais. Isso contribuiu com a perpetuação do racismo”, diz a secretária de Combate ao Racismo da CUT, Anatalina Lourenço.
Para o secretário de Combate ao Racismo da Contraf-CUT (Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro), Almir Aguiar, “o 13 de maio não é uma data a ser comemorada, foi um fato histórico que omitiu a luta do povo negro contra a escravidão, e até os dias atuais a historiografia tem omitido o nosso legado”.
Almir lembrou que a Lei Áurea tinha somente dois artigos, sem qualquer proposta de política pública. “Isso fez com que o preconceito, o racismo, o feminicídio, o genocídio do povo negro e a falta de inclusão no mercado de trabalho mais qualificado se tornassem uma realidade cruel até os dias de hoje. Mas a nossa luta por uma sociedade inclusiva e sem racismo é permanente”, completou.
Contexto histórico da Lei Áurea – a ascensão do capitalismo
A abolição libertou escravizados, mas não trouxe nenhuma reparação pelos quase 300 anos anteriores de escravidão. À época já havia um movimento de libertação pelos próprios escravos, com as lutas dos quilombos pela liberdade e, em especial, pelas mulheres escravizadas que, pelo trabalho forçado, compravam a liberdade de seus filhos e companheiros.
Anatalina Lourenço, em entrevista ao Portal CUT em 2022, explicou que o capitalismo estava em ascensão no mesmo período e esse foi um fator preponderante para a Lei Áurea. À época, chegavam os primeiros imigrantes italianos, portugueses e espanhóis, uma mão-de-obra branca que agradava à elite e favorecia o capitalismo.
Este fato, por si só, explica o branqueamento do mercado de trabalho, que perdura até os dias atuais. Os dados do IBGE mostram que entre os 9,5 milhões de desempregados no Brasil, no 3° trimestre de 2022, 65% eram pretos ou pardos.
Quando a Lei Áurea foi assinada, havia ainda uma cobrança da sociedade e de abolicionistas e até mesmo da polícia que se rebelou tomando a atitude de não mais ‘caçar’ os escravos fugitivos. Por isso, e em acordo com os latifundiários que exigiam que a propriedade das terras não sofresse qualquer consequência, a Lei foi assinada e os negros foram libertos.
Mas, no dia seguinte, diz Anatalina, o sentimento daquela população foi de ‘o que nós vamos fazer agora?’.
“Eles não tinham emprego, não tinham comida, não tinham casa para morar, estavam jogados à própria sorte e nenhuma ação do governo protegeu essas pessoas”, ressalta.
Os homens ficaram à margem da sociedade e tiveram de recorrer a furtos para poderem comer, já que eram hostilizados pela sociedade branca. Daí vem o termo “marginal”, estigmatizado até os dias de hoje e, geralmente usado para se referir a negros.
Já as mulheres continuaram a ‘prestar serviços domésticos para suas senhoras’, porém com uma singela remuneração. Como o racismo perdurou ao longo dos tempos, a profissão, hoje conhecida como ‘empregada doméstica’, é ocupada, na grande maioria, por mulheres negras.
Herança da escravidão no mercado de trabalho
A dirigente da CUT reforça que o chamado fim da escravidão foi uma abolição inacabada. “Os escravizados não tiveram direito a nada e, portanto, tiveram de viver à margem da sociedade. Eles foram marginalizados a tal ponto que hoje, 72% da população negra é pobre”, ela afirma.
Dados sobre do mercado de trabalho e indicadores sociais confirmam a realidade da população negra hoje no Brasil. Em 2022, quando a pandemia já dava sinais de enfraquecimento, segundo os indicadores da PnadC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), realizada pelo IBGE, entre os segundos trimestres de 2019 e 2022, houve elevação da informalidade, da subocupação e queda dos rendimentos e os efeitos sentidos mais intensamente pelo homem e pela mulher negra.
- Entre as mulheres negras, 53,3% estavam ocupadas ou desempregadas em 2019. O número caiu para 52,3% em 2022.
- Entre os homens negros, as taxas ficaram semelhantes nos dois períodos –72,9%, no segundo trimestre de 2019, e 72,6%, em 2022.