Educação é a mais eficiente ferramenta para impedir violência contra as mulheres
27 de março 2024
Foto: GeovanaAlbuquerque/Agência Brasília
A pena de morte decretada por homens como “punição” para as mulheres que se recusam a manter relacionamentos abusivos, ou simplesmente pelo fato de serem mulheres, é quase que diária no Brasil. Somente no ano passado foram registrados 1.463 feminicídios, uma alta de 1,6% em relação a 2022, segundo pesquisa do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). Isso significa que a cada quase seis horas uma mulher perdeu a vida. Entre 2015 e 2023 quase 10,7 mil mulheres foram assassinadas, seja por seus companheiros, familiares próximos e distantes, ou por desconhecidos.
Há ainda cicatrizes que não se curam como os casos de violência sexual
em que a mulher, muitas vezes, é colocada não como vítima, mas como causadora,
por estar “onde não deveria” ou usar uma “roupa provocante”, por estar à noite
na rua. Como se esses espaços fossem exclusivamente masculinos e a mulher que
se “atreve” a ocupá-los é severamente punida com a invasão do seu corpo, da sua
intimidade, da sua dignidade e da sua honra.
Dois casos ganharam as manchetes da mídia nos últimos dias. O do
ex-jogador da seleção brasileira de futebol, Daniel Alves, condenado há quatro
anos de prisão por estupro cometido numa boate na Espanha, mas que poderá sair
em liberdade provisória após pagar 1 milhão de euros (mais de R$ 5 milhões). E
o outro do jogador Robinho, condenado há nove anos de prisão. Ele fugiu para o
Brasil, mas foi preso, na última quinta-feira (21/03), e está cumprindo pena no
presídio Tremembé (SP), de segurança máxima, após a decisão do STJ (Superior
Tribunal de Justiça), a pedido dos italianos. Os dois países têm tratados neste
sentido.
O caso mais cruel foi cometido pelo ex-goleiro Bruno, do Flamengo,
condenado a 22 anos e 3 meses pelo assassinato e ocultação de cadáver de Eliza
Samudio, em 2013, com quem tinha uma relação, e pelo sequestro e cárcere
privado do filho Bruninho. Desde o ano passado Bruno está solto em liberdade
condicional.
Esses são só exemplos de casos notórios, mas diariamente a violência
contra a mulher é praticada por famosos e anônimos, o que torna de suma
importância o tema “Defesa da Vida: pela proteção e preservação da vida das
mulheres, em todas as suas dimensões, seja no trabalho, na saúde, na segurança,
ou em situações de risco, promovendo políticas e ações que garantam a
integridade das mulheres”, escolhido pelo Fórum das Mulheres, do qual a CUT faz
parte, para marcar Março, o Mês das Mulheres.
A historiadora, com especialização em políticas públicas de gênero e
raça, Vilmara Pereira, que atua na diretoria da Secretaria das Mulheres do Sinpro-DF
(Sindicato dos Professores do Distrito Federal), desde 2013, diz que existe um
crescimento da conscientização política das mulheres com relação a essa
temática e que tem a ver diretamente com a relação da mulher trabalhadora e a
violência contra elas.
“A mulher que enfrenta violência doméstica tem muita dificuldade de se
posicionar no mundo do trabalho de forma autônoma, empoderada, com capacidade
de corresponder aos desafios que o seu trabalho e o seu emprego necessitam”,
analisa.
Leia mais Misoginia, assédio sexual e moral: a realidade diária das mulheres no
trabalho
Educar pais, crianças e os abusadores
Para ela, o fim da violência passa pela educação desde a mais tenra
idade das crianças, mas que este tema é impedido de ser aprofundado pela
extrema direita, que defende, inclusive, que a mulher deve ser submissa ao
homem.
“De quatro a cinco anos as crianças já têm que aprender a respeitar as
mulheres. O que é um desafio, porque a gente enfrenta hoje representantes do
Poder Público, deputados e senadores dessa extrema direita, que são
completamente contra você tocar nesse tipo de assunto relacionado à
sexualidade, às relações sociais de gênero, dentro da escola. E, é justamente,
o contrário daquilo que a gente pensa, de que enfrentar o sexismo, a misoginia,
a gente precisa trabalhar desde cedo, porque isso é o que a gente vê nas
famílias brasileiras muita violência contra as mulheres”, afirma Vilmara.
A secretária da Mulher Trabalhadora da CUT Nacional, Amanda Corsino,
concorda que é preciso educar as crianças, mas que o exemplo tem também de vir
“de cima”, o que não aconteceu nos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro
(PL).
“A violência contra a mulher sempre existiu, mas ela foi amplificada nos
últimos anos por esse discurso de ódio, misógino, por parte da extrema direita
e do governo anterior, que deixava claro que uma mulher não merecia ser
estuprada porque era feia”, diz se referindo ao que então deputado federal
Bolsonaro disse a deputada Maria do Rosário, durante uma discussão.
A historiadora critica a ausência dos pais e mães no ambiente escolar.
Ela credita isso a instrumentalização pelas igrejas fundamentalistas, que
querem fiscalizar o que a professora está falando, o que está passando, e se
falar de alguma coisa relacionada à sexualidade os fundamentalistas vão até a
escola constranger e silenciar esse profissional.
“O espaço da escola tem de ser laico, uma escola que assegure o direito
do estudante de entender que ele é um sujeito, um cidadão com direitos, e que
ele tem direito à dignidade. Ele não pode vivenciar uma vida com violência, com
sofrimento, com dor”, diz.
Vilmara, no entanto, faz uma ressalva. Segundo ela, isso é muito raro de
acontecer no Distrito Federal porque existem uma legislação e um currículo
inclusivo que respeita os direitos humanos e a comunidade LGBTQI+ e isto
deveria ser regra geral e não exceção.
Mas, segundo ela, para se atingir esse grau de conscientização é preciso
também que os profissionais da educação sejam capacitados para esse tipo de
“aula”.
“Muitos docentes reclamam que eles não têm capacidade de fazer esses
debates em sala de aula, então é preciso ter essa formação, que tem que
acontecer lá na faculdade ainda quando o jovem está estudando para ser
professor ou professora. Eles precisam receber essa formação, de uma educação
das relações sociais de gênero, de uma educação para igualdade, antirracista,
anticapacitista. Não dá para ser uma formação apenas em horários de coordenação
dos profissionais. Essa é a receita ideal que a gente precisa ter nas nossas
universidades e faculdades formadoras da carreira magistério”, defende.
Vilmara defende que é preciso que os homens violentos e abusadores
também sejam educados a respeitar as mulheres. Ela cita como exemplos,
“penalidades” em que os homens eram obrigados a participar de encontros em que
se debatiam a violência contra a mulher.
“Cadê as psicólogas e os psicólogos pra fazer o tratamento desses homens abusadores que precisam pra se reconhecerem como violadores e reaprenderem a conviver”, questiona e acrescenta: “Isso tem que acontecer e a lei prevê isso, mas também não acontece”.
“Não é só jogar o abusador dentro da cadeia e
falar, você vai ficar preso três meses e vai sair um cara decente, que respeite
a mulher. Ninguém vai passar por um processo desse dentro de uma cadeia
brasileira e vai sair um cara mais decente se não tiver um processo educacional
para ele”, salienta Vilmara.
A historiadora defende ainda que os homens sejam chamados a fazer esse
debate juntamente com as mulheres, de que é preciso fazer uma formação mista,
de diálogos com os abusadores, mas também com os homens em geral.
“É preciso desconstruir essa cultura nazista e dizer que o que pode ser
‘normal’ pra ele é assédio, que seus comentários nos inferiorizam e que
possibilitam agressividade e violência”, afirma.
“Quando você se cala ou acha graça naquele comentário, que é apenas
‘broderagem’, na verdade, você está consentindo com que aquele pensamento valha
a pena ser perpetuado”, ao exemplificar a necessidade do diálogo conjunto com
os homens.
O Judiciário e as leis protetivas
As leis protetivas são falhas na perspectiva da sua prática, avalia a
historiadora, porque em todos os lugares do Brasil as mulheres foram até a Delegacia,
à Justiça e pediram a medida protetiva e não as tiveram. Em outras ocasiões ela
não serviu para nada; não impossibilitou que o agressor, abusador, se
reaproximasse da mulher para cometer o feminicídio. Apesar dessas situações,
ela defende que é preciso mais agilidade do judiciário em atender os pedidos de
proteção.
“Existem alguns mecanismos mais eficientes, como a tornozeleira e o
botão do pânico no celular. Embora não sejam 100% eficientes, é melhor do que
nenhuma proteção”, conclui Vilmara.
Por Rosely Rocha/CUT Nacional